terça-feira, julho 23, 2013
historia linda para ler
A
Amor
Um pescador certa vez pescou um salmão. Quando viu seu extraordinário tamanho, exclamou: "Que peixe maravilhoso! Vou levá-lo ao Barão! Ele adora salmão fresco."
O pobre peixe consolou-se, pensando: "Ainda posso ter alguma esperança."
O pescador levou o peixe à propriedade do nobre, e o guarda na entrada perguntou: "O que tem aí?"
"Um salmão", respondeu o pescador, orgulhoso.
"Ótimo", disse o guarda. "O Barão adora salmão fresco."
O peixe deduziu que havia motivos para ter esperança. O pescador entrou no palácio, e embora o peixe mal pudesse respirar, ainda estava otimista. Afinal, o Barão adora salmão, pensou ele.
O peixe foi levado à cozinha, e todos os cozinheiros comentaram o quanto o Barão gostava de salmão. O peixe foi colocado sobre a mesa e quando o Barão entrou, ordenou: "Cortem fora a cauda, a cabeça, e abram o salmão."
Com seu último sopro de vida, o peixe gritou em desespero: "Por que você mente? Se realmente me ama, cuide de mim, deixe-me viver. Você não gosta de salmão, gosta de si mesmo!"
Reflexão
Uma mãe levou o filho pequeno ao fundo de um vale, e disse: "Grite as palavras: 'Eu te odeio'!" De repente, ele ouviu o som assustador de "EU TE ODEIO, Eu Te Odeio, Eu Te Odeio!" ecoando pelo vale.
Ela voltou-se para o filho e pediu: "Agora grite as palavras 'Eu Te Amo' o mais alto que puder."
Ele gritou com todas as forças: "EU TE AMO!" De repente, ouviu: "Eu TE AMO, Eu Te Amo, Eu Te Amo!" ecoando ao seu redor.
"Olhe dentro de um lago e veja um espelho de água refletindo sua imagem. Ame outra alma e seu amor se refletirá de volta para você."
Um pescador certa vez pescou um salmão. Quando viu seu extraordinário tamanho, exclamou: "Que peixe maravilhoso! Vou levá-lo ao Barão! Ele adora salmão fresco."
O pobre peixe consolou-se, pensando: "Ainda posso ter alguma esperança."
O pescador levou o peixe à propriedade do nobre, e o guarda na entrada perguntou: "O que tem aí?"
"Um salmão", respondeu o pescador, orgulhoso.
"Ótimo", disse o guarda. "O Barão adora salmão fresco."
O peixe deduziu que havia motivos para ter esperança. O pescador entrou no palácio, e embora o peixe mal pudesse respirar, ainda estava otimista. Afinal, o Barão adora salmão, pensou ele.
O peixe foi levado à cozinha, e todos os cozinheiros comentaram o quanto o Barão gostava de salmão. O peixe foi colocado sobre a mesa e quando o Barão entrou, ordenou: "Cortem fora a cauda, a cabeça, e abram o salmão."
Com seu último sopro de vida, o peixe gritou em desespero: "Por que você mente? Se realmente me ama, cuide de mim, deixe-me viver. Você não gosta de salmão, gosta de si mesmo!"
Reflexão
Uma mãe levou o filho pequeno ao fundo de um vale, e disse: "Grite as palavras: 'Eu te odeio'!" De repente, ele ouviu o som assustador de "EU TE ODEIO, Eu Te Odeio, Eu Te Odeio!" ecoando pelo vale.
Ela voltou-se para o filho e pediu: "Agora grite as palavras 'Eu Te Amo' o mais alto que puder."
Ele gritou com todas as forças: "EU TE AMO!" De repente, ouviu: "Eu TE AMO, Eu Te Amo, Eu Te Amo!" ecoando ao seu redor.
"Olhe dentro de um lago e veja um espelho de água refletindo sua imagem. Ame outra alma e seu amor se refletirá de volta para você."
Adaptado do Tanya, cap. 46
quarta-feira, julho 17, 2013
filosofia
Filosofia (do grego Φιλοσοφία, literalmente «amor à sabedoria») é o estudo de problemas fundamentais
relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais eestéticos, à mente e à linguagem.1 Ao abordar esses problemas, a filosofia se distingue damitologia e da religião por sua ênfase em argumentos racionais; por outro lado, diferencia-se das pesquisas científicas por geralmente não recorrer a procedimentos empíricos em suas
investigações. Entre seus métodos, estão a argumentação lógica, a análise
conceptual, asexperiências
de pensamento e outros métodos a priori.
A filosofia ocidental surgiu na Grécia antiga no século VI a.C. A partir de então, uma sucessão de pensadores originais - como Tales, Xenófanes, Pitágoras, Heráclito e Protágoras - empenhou-se em responder, racionalmente, questões acerca da realidade
última das coisas, das origens e características do verdadeiro conhecimento, da
objetividade dos valores morais, da existência e natureza de Deus (ou dos deuses). Muitas das questões levantadas por esses antigos pensadores são ainda
temas importantes da filosofia
contemporânea.2
Durante as Idades Antiga e Medieval, a filosofia compreendia praticamente todas as áreas de investigação
teórica. Em seu escopo figuravam desde disciplinas altamente abstratas - em que
se estudavam o "ser enquanto ser" e os princípios gerais do raciocínio – até pesquisas sobre fenômenos mais específicos – como a queda dos
corpos e a classificação dos seres vivos. Especialmente a partir do século XVII, vários ramos do conhecimento começam a se desvencilhar da filosofia e a
se constituir em ciências independentes com técnicas e métodos próprios
(priorizando, sobretudo, a observação e a experimentação).3 Apesar disso, a filosofia atual ainda pode ser vista como uma disciplina
que trata de questões gerais e abstratas que sejam relevantes para a
fundamentação das demais ciências particulares ou demais atividades culturais.
A princípio, tais questões não poderiam ser convenientemente tratadas por
métodos científicos.4
Por razões de conveniência e especialização, os problemas filosóficos são
agrupados em subáreas temáticas: entre elas as mais tradicionais são a metafísica, a epistemologia, a lógica, aética, a estética e a filosofia
política.
As
atividades a que nos dedicamos cotidianamente pressupõem a aceitação de
diversas crenças e valores de que nem sempre estamos cientes. Acreditamos
habitar um mundo constituído
de diferentes objetos, de diversos tamanhos e diversas cores. Acreditamos que
esse mundo organiza-se num espaço tridimensional e que o temposegue
a sua marcha inexorável numa única direção. Acreditamos que as pessoas ao redor
são em tudo semelhantes a nós, veem as mesmas coisas, têm os mesmos sentimentos
e sensações e as mesmas necessidades. Buscamos interagir com outras pessoas, e
encontrar alguém com quem compartilhar a vida e, talvez, constituir família,
pois tudo nos leva a crer que essa é uma das condições para a nossa felicidade.
Periodicamente reclamamos de abusos na televisão, em propagandas e noticiários,
na crença de que há certos valores que estão sendo transgredidos por puro sensacionalismo. Em todos esses casos, nossas crenças e valores
determinam nossas ações e atitudes sem que eles sequer nos passem pela cabeça.
Mas eles estão lá, profundamente arraigados e extremamente influentes. Enquanto
estamos ocupados em trabalhar, pagar as contas ou divertir-nos, não vemos
necessidade de questionar essas crenças e valores. Mas nada impede que, em
determinado momento, façamos uma reflexão profunda sobre o significado desses
valores e crenças fundamentais e sobre a sua consistência. É nesse estado de
espírito que formularemos perguntas como: “O que é a realidade em
si mesma?”, “O que há por trás daquilo que vejo, ouço e toco?”, “O que é o
espaço? E o que é o tempo?”, “Se o que aconteceu há um centésimo de segundo
atrás já é passado, será que o presente não é uma ficção?”, “Será que tudo o
que acontece é sempre antecedido porcausas?”, “O que é a felicidade? E como alcançá-la?”, “O que é
o certo e o errado?”, “O que é a liberdade?”.
Paul Gauguin, De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?(1897/98).
Essas
perguntas são tipicamente filosóficas e refletem algo que poderíamos chamar de
atitude filosófica perante o mundo e perante nós mesmos. É a atitude de nos
voltarmos para as nossas crenças mais fundamentais e esforçar-nos por
compreendê-las, avaliá-las e justificá-las. Muitas delas parecem ser tão óbvias
que ninguém em sã consciência tentaria sinceramente questioná-las. Poucos
colocariam em questão máximas como “Matar é errado”, “A democracia é
melhor que a ditadura”, “Aliberdade
de expressão e de opinião é um valor indispensável”.
Mas, a atitude filosófica não reconhece domínios fechados à investigação. Mesmo
em relação a crenças e valores que consideramos absolutamente inegociáveis, a
proposta da filosofia é a de submetê-los ao exame crítico, racional e
argumentativo, de modo que a nossa adesão seja restabelecida em novo patamar.
Em outras palavras, a proposta filosófica é a de que, se é para sustentarmos
certas crenças e valores, que sejam sustentados de maneira crítica e refletida.
Muitos
autores identificam essa atitude filosófica com uma espécie de habilidade ou
capacidade de se admirar com as coisas, por mais prosaicas que sejam. Na base
da filosofia, estaria a curiosidade típica das crianças ou dos que não se
contentam com respostas prontas. Platão, um
dos pais fundadores da filosofia ocidental, afirmava que o sentimento de
assombro ou admiração está na origem do pensamento filosófico:
"A admiração é a verdadeira característica do
filósofo. Não tem outra origem a filosofia."
|
Na
mesma linha, afirmava Aristóteles:
"Os homens começam e sempre começaram a filosofar
movidos pela admiração."
— Aristóteles, Metafísica, I
2.6
|
Embora
essa capacidade de admirar-se com a realidade possa estar na origem do
pensamento filosófico, isso não significa que tal admiração provoque apenas e
tão somente filosofia. O sentimento religioso, por exemplo, pode igualmente
surgir dessa disposição: a aparente perfeição danatureza, as
sincronias dos processos naturais, a complexidade dos seres vivos podem
causar profunda impressão no indivíduo e levá-lo a indagar se o responsável por
tudo isso não seria uma Inteligência Superior. Uma paisagem que a todos
parecesse comum e sem atrativos poderia atrair de modo singular o olho do
artista e fazê-lo criar uma obra de arte que revelasse nuances que escaparam ao
olhar comum. Analogamente, embora a queda de objetos seja um fenômeno
corriqueiro, se nenhum cientista tivesse considerado esse fenômeno
surpreendente ou digno de nota, não saberíamos nada a respeito da gravidade.
Esses exemplos sugerem que, além de certa atitude em relação à nossa
experiência da realidade, há um modo de interpelar a realidade e nossas crenças
a seu respeito que diferenciariam essa investigação da religião, da arte e da ciência.
Ao contrário
da religião, que se estabelece entre outras coisas sobre textos sagrados e
sobre a tradição, a filosofia recorre apenas à razão para
estabelecer certas teses e refutar outras. Como já mencionado acima a filosofia
não admite dogmas. Não
há, em princípio, crenças que não estejam sujeitas ao exame crítico da
filosofia. Disso não decorre um conflito irreconciliável entre a filosofia e a
religião. Há filósofos que argumentam em favor de teses caras às religiões,
como, por exemplo, a existência de Deus e a imortalidade da alma. Mas um argumento propriamente filosófico em favor da
imortalidade da alma apresentará como garantias apenas as suas próprias razões:
ele apelará somente ao assentimento racional, jamais à fé ou à obediência.7
Os
artistas assemelham-se aos filósofos em sua tentativa de desbanalizar a nossa
experiência do mundo e alcançar assim uma compreensão mais profunda de nós
mesmos e das coisas que nos cercam. Mas a forma em que apresentam seus
resultados é bastante diferente. Os artistas recorrem à percepção direta e à intuição;7 enquanto
a filosofia tipicamente apresenta seus resultados de maneira argumentativa,
lógica e abstrata.
Mas,
se essa insistência na razão diferencia a filosofia da religião e da arte, o
que a diferenciaria das ciências, uma vez que também essa privilegia uma
abordagem metódica e racional dos fenômenos? A diferença é que os problemas
tipicamente filosóficos não podem ser resolvidos por observação e experimentação.7 Não
há experimentos e observações empíricas que possam decidir qual seria a noção
de “direitos humanos” mais adequada do ponto de vista da razão. O mesmo vale
para outras noções, tais como “liberdade”, “justiça” ou “falta moral”. Não há
como resolver em laboratório questões como: “quando tem início o ser humano?”,
“os animais podem ser sujeitos de direitos?”, “em que medida oEstado pode
interferir na vida dos cidadãos?”, “As entidades microscópicas postuladas pelas
ciências têm o mesmo grau de realidade que os objetos da nossa experiência
cotidiana (pessoas, animais, mesas, cadeiras, etc.)?”. Em resumo, quando um
tópico é defendido ou criticado com argumentos racionais, e essa defesa ou
ataque não pode contar com observações e experimentos para a sua solução,
estamos diante de um debate filosófico.
A definição de filosofia
Etimologia
Filósofo em Meditação, deRembrandt (detalhe).
A
palavra "filosofia" (do grego) é
uma composição de duas palavras: philos (φίλος) e sophia (σοφία). A
primeira é uma derivação de philia (φιλία) que
significa amizade, amor fraterno e respeito entre os iguais; a segunda
significa sabedoria ou simplesmente saber. Filosofia significa, portanto,
amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber; e o filósofo, por sua vez,
seria aquele que ama e busca a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber.8
A
tradição atribui ao filósofo Pitágoras de Samos (que
viveu no século V a.C.) a criação da palavra. Conforme essa tradição, Pitágoras
teria criado o termo para modestamente ressaltar que a sabedoria plena e
perfeita seria atributo apenas dos deuses; os homens, no entanto, poderiam
venerá-la e amá-la na qualidade de filósofos.8
A
palavra philosophía não é simplesmente uma invenção moderna a
partir de termos gregos,9 mas,
sim, um empréstimo tomado da própria língua grega. Os termos φιλοσοφος (philosophos) e φιλοσοφειν (philosophein)
já teriam sido empregados por alguns pré-socráticos10 (Heráclito, Pitágoras e Górgias) e
pelos historiadores Heródoto e Tucídides. Em Sócrates e
Platão, é acentuada a oposição entre σοφία e φιλοσοφία, em que o último termo exprime certa modéstia e certo ceticismo em
relação ao conhecimento humano.
O conceito de filosofia
O conceito
de "filosofia" sofreu, no transcorrer da história, várias alterações
e restrições em sua abrangência. As concepções do que seja a filosofia e quais
são os seus objetos de estudo também se alteram conforme a escola ou movimento
filosófico. Essa variedade presente na história da filosofia e nas escolas e
correntes filosóficas torna praticamente impossível elaborar uma definição
universalmente válida de filosofia. Definir a filosofia é realizar uma tarefa metafilosófica. Em outras palavras, é fazer uma filosofia da filosofia.
O sociólogo e filósofo alemão Georg Simmel ressaltou esse ponto ao dizer que um dos primeiros
problemas da filosofia é o de investigar e estabelecer a sua própria natureza.
Talvez a filosofia seja a única disciplina que se volte para si mesma dessa
maneira. O objeto da física não é, certamente, a própria ciência da física, mas
os fenômenos ópticos e elétricos, entre outros. A filologia ocupa-se
de registros textuais antigos e da evolução das línguas, mas não se ocupa de si
mesma. A filosofia, no entanto, move-se neste curioso círculo: ela determina os
pressupostos de seu método de pensar e os seus propósitos através de seus
próprios métodos de pensar e propósitos. Não há como apreender o conceito de
filosofia fora da filosofia; pois somente a filosofia pode determinar o que é a
filosofia.11
Platão
e Aristóteles concordam em caracterizar a filosofia como uma atividade racional
estimulada pelo assombro ou admiração. Mas, para Platão, o assombro é provocado
pela instabilidade e contradições dos seres que percebemos pelos sentidos. A
filosofia, no quadro platônico, seria a tentativa de superar esse mundo de
coisas efêmeras e mutáveis e apreender racionalmente a realidade última,
composta por formas eternas e imutáveis que, segundo Platão, só podem ser captadas pela
razão. Para Aristóteles, ao contrário, não há separação entre, de um lado, um
mundo apreendido pelos sentidos e, de outro lado, um mundo exclusivamente
captado pela razão. A filosofia seria uma investigação das causas e princípios
fundamentais de uma única e mesma realidade. O filósofo, segundo Aristóteles,
“conhece, na medida do possível, todas as coisas, embora não possua a ciência
de cada uma delas por si”.12 A
filosofia almejaria o conhecimento universal, não no sentido de um acúmulo
enciclopédico de todos os fatos e processos que se possam investigar, mas no
sentido de uma compreensão dos princípios mais fundamentais, dos quais
dependeriam os objetos particulares a que se dedicam as demais ciências, artes
e ofícios. Aristóteles considera que a filosofia, como ciência das causas e
princípios primordiais, acabaria por identificar-se com a teologia, pois
Deus seria o princípio dos princípios.13
As
definições de filosofia elaboradas depois de Platão e Aristóteles separaram a
filosofia em duas partes: uma filosofia teórica e uma filosofia prática. Como
reflexo da busca por salvação ou redenção pessoal, a filosofia prática foi
gradativamente se tornando um sucedâneo da fé religiosa e acabou por ganhar
precedência em relação à parte teórica da filosofia. A filosofia passa a ser
concebida como uma arte de viver, que forneceria aos homens regras e
prescrições sobre como agir e como se portar diante das inconstâncias do mundo.
Essa concepção é muito clara em diversas correntes da filosofia helenística,
como, por exemplo, no estoicismo e no neoplatonismo.13
As
definições de filosofia formuladas na Antiguidade persistiram na época de
disseminação e consolidação do cristianismo, mas isso não impediu que as concepções cristãs
exercessem influência e moldassem novas maneiras de se entender a filosofia. As
definições de filosofia elaboradas durante a Idade Média foram coordenadas aos serviços que o pensamento
filosófico poderia prestar à compreensão e sistematização da fé religiosa; e,
desse modo, a filosofia passa a ser concebida como “serva da teologia” (ancilla
theologiae).13 Segundo São Tomás
de Aquino, por exemplo, a filosofia pode
auxiliar a teologia em três frentes: (1) ela pode demonstrar verdades que a fé
já toma como estabelecidas, tais como a existência de Deus e a imortalidade da
alma; (2) pode esclarecer certas verdades da fé ao traçar analogias com as
verdades naturais; e (3) pode ser empregada para refutar ideias que se oponham
à doutrina sagrada.14
Os
medievais também mantiveram a acepção de filosofia como saber prático, como uma
busca de normas ou recomendações para se alcançar a plenitude da vida. Santo Isidoro de
Sevilha, ainda no século VII, definia a
filosofia como “o conhecimento das coisas humanas e divinas combinado com uma
busca pela vida moralmente boa”15
Frontispício da Instauratio Magna, deFrancis Bacon, 1620. Na parte inferior está escrito: Multi
pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento
aumentará). As colunas representam as limitações da filosofia antiga e
medieval.
Tanto
na Idade Média como em qualquer outra época da história ocidental, a
compreensão do que é a filosofia reflete uma preocupação com questões
essenciais para a vida humana em seus múltiplos aspectos. As concepções de
filosofia do Renascimento e da Idade Moderna não são exceções. Também aí as noções do que seja a
filosofia sintetizam as tentativas de oferecer respostas substantivas aos
problemas mais inquietantes da época. O advento da era moderna fez ruir as
próprias bases da sabedoria tradicional; e impôs aos intelectuais a tarefa de
encontrar novas formas de conhecimento que pudessem restabelecer a confiança no
intelecto e na razão. Para Francis Bacon - um dos primeiros filósofos modernos - a filosofia
não deveria se contentar com uma atitude meramente contemplativa, como queriam
os antigos e medievais; ao contrário, deveria buscar o conhecimento das
essências das coisas a fim de obter o controle sobre os fenômenos naturais e,
portanto, submeter a natureza aos desígnios humanos.16 Para Descartes, a
filosofia, na qualidade de metafísica, é a investigação das causas primeiras, dos princípios
fundamentais. Esses princípios devem ser claros e evidentes, e devem formar uma
base segura a partir da qual se possam derivar as outras formas de
conhecimento. É nesse sentido, entendendo-se a filosofia como o conjunto de
todos os saberes e a metafísica como a investigação das primeiras causas, que
se deve ler a famosa metáfora de Descartes: “Assim, a Filosofia é uma árvore,
cujas raízes são a Metafísica, o tronco a Física, e os ramos que saem do tronco
são todas as outras ciências”.17
Após
Descartes, a filosofia assume uma postura crítica em relação a suas próprias
aspirações e conteúdos. Os empiristas britânicos,
influenciados pelas novas aquisições da ciência moderna, dedicaram-se a situar
a investigação filosófica nos limites do que pode ser avaliado pela
experiência. Segundo a orientação empirista, argumentos tradicionais da
filosofia, como as demonstrações da existência de Deus, da imortalidade da alma
e de essências imutáveis seriam inválidos, uma vez que as ideias com que operam
não são adequadamente derivadas da experiência. De maneira análoga, Kant, ao elaborar sua
doutrina da filosofia
transcendental, rejeita a
possibilidade de tratamento científico de muitos dos problemas da filosofia
tradicional, uma vez que a adequada solução deles demandaria recursos que
ultrapassam as capacidades do intelecto humano.
O
empirismo britânico e o idealismo de Kant acentuam uma característica
frequentemente destacada na filosofia: a de ser um "pensar sobre o
pensamento"18 ou
um "conhecer o conhecimento".19 Esse
concepção reflexiva da filosofia, do pensamento que se volta para si mesmo,
influenciará vários autores e escolas filosóficas, tanto do século XIX como do
século XX. A fenomenologia, por exemplo, considerará a filosofia como um
empreendimento eminentemente reflexivo. Segundo Edmund Husserl - o fundador da fenomenologia - a filosofia é uma
ciência rigorosa dos fenômenos tal como nos aparecem, ou seja, tal como é a
nossa consciência deles. Para descrevê-los, o filósofo deve pôr entre
parênteses todas as suas pressuposições e preconceitos (até mesmo a certeza de
que os objetos existem) e restringir-se apenas aos conteúdos da consciência.
Com a virada
linguística do início do século XX, muitos
filósofos passam a considerar a filosofia como uma análise de conceitos. ParaWittgenstein, os problemas filosóficos tradicionais são todos
resultantes de confusões linguísticas; e a tarefa do filósofo seria a de
esclarecer o modo como os conceitos são empregados a fim de explicitar tais
confusões. Numa abordagem mais positiva sobre a atividade filosófica,Strawson considera que a filosofia é análoga à gramática:
assim como os estudiosos da gramática explicitam as regras que os falantes
inconscientemente empregam, a filosofia explicitaria conceitos-chave que, na
construção de nossas concepções e argumentos, adotamos sem ter plena
consciência de suas implicações e relações.20
A
lista de concepções da filosofia propostas ao longo de sua história pode ser
estendida indefinidamente. Sua variedade é tão grande que dificilmente se pode
encontrar um elemento que perpasse todas as concepções em todas as épocas. Mas
não se pode esquecer que as antigas concepções de filosofia tornaram-se algo
obsoletas frente ao avanço de outras disciplinas que antes se abrigavam à
sombra, excessivamente vasta, da filosofia. As concepções de autores antigos e
medievais, e mesmo de alguns modernos, consideravam indiscriminadamente como
filosóficas investigações que hoje denominamos simplesmente de científicas.
Assuntos como as leis do movimento, a estrutura da matéria e o funcionamento
dos processos psicológicos – que hoje consideramos como temas da física, da
química e da psicologia, respectivamente – eram todos reunidos na noção de filosofia natural. Após a revolução
científica do século XVII, as
investigações da filosofia natural foram gradualmente se desvencilhando da
filosofia e se constituíram em domínios específicos e independentes de
pesquisa. De certa forma, os problemas clássicos da filosofia formam hoje um
conjunto de assuntos elusivos que não se dobraram à metodologia indutiva e
experimental das ciências.21 Mas
isso não implica dizer que a filosofia atual seja mero resíduo do processo de
crescimento e consolidação da ciência moderna. Dizer isso seria esquecer o
aspecto profundamente dinâmico e reflexivo da filosofia. A reflexão filosófica
não é algo que ocorra num limbo intelectual: ela acompanha de perto a evolução
das ciências, da política, da religião e das artes.13 Essa
evolução tende a apresentar novos problemas e desafios que, por escaparem ao
estrito domínio da disciplina em que surgiram, podem ser chamados de
"filosóficos".
Talvez
não haja uma resposta categórica à pergunta “O que é filosofia?”.13 Os
filósofos divergem entre si sobre o que fazem, os problemas filosóficos
ramificam-se indefinidamente e os métodos variam conforme a concepção do que
seja o trabalho filosófico. Talvez a afirmação de Simmel de que só é possível
entender a filosofia no âmbito da filosofia possa ser tomada como uma
advertência quando contrastada com o amplo espectro de conceitos sobre a sua
natureza: ao adotar uma das diferentes orientações
filosóficas, tratamos de determinados problemas e adotamos determinados métodos
para tentar esclarecê-los; mas, dado que há outras concepções,
conforme outros métodos e conforme outras finalidades, devemos modestamente
reconhecer que essas concepções alternativas têm o mesmo direito de ostentar o
título de “filosofia” que a nossa concepção.
Os métodos da filosofia
Discussão noite adentro, de William Blades: o debate franco de ideias, conforme os padrões da
argumentação lógica, é uma das características centrais da atividade
filosófica.
Os
trabalhos filosóficos são realizados mediante técnicas e procedimentos que
integram os cânones do pensamento racional. Tradicionalmente, a filosofia
destaca e privilegia a argumentação lógica, em linguagem natural ou em
linguagem simbólica, como a ferramenta por excelência da apresentação e
discussão de teorias filosóficas. A argumentação lógica está associada a dois
elementos importantes: a articulação rigorosa dos conceitos e a correta
concatenação daspremissas e conclusões, de modo que essas últimas sejam derivações
incontestáveis das primeiras. Toda a ideia filosófica relevante é
inevitavelmente submetida a escrutínio crítico; e a presença de falhas na
argumentação é frequentemente o primeiro alvo das críticas. Desse modo, o
destino de uma tese qualquer que não esteja amparada por argumentos sólidos e
convincentes será, frequentemente, a severa rejeição por parte da comunidade
filosófica. Embora a reflexão sobre os princípios e métodos da lógica só tenha
sido realizada pela primeira vez por Aristóteles, a ênfase na argumentação
lógica e na crítica à solidez dos argumentos é uma característica que acompanha
a filosofia desde os seus primórdios. A própria ruptura entre o pensamento
mítico-religioso e o pensamento racional é assinalada pela adoção de uma
postura argumentativa e crítica em relação às explicações tradicionais. QuandoAnaximandro rejeitou as explicações de seu mestre – Tales de Mileto –
e propôs concepções alternativas sobre a natureza e estrutura do cosmos, o
pensamento humano dava seus primeiro passos em direção ao debate franco,
público e aberto de ideias, orientado apenas por critérios racionais de
correção, como forma destacada de se aperfeiçoar o conhecimento; e abandonava,
assim, as narrativas tradicionais sobre a origem e composição do universo,
apoiadas na autoridade inquestionável da tradição ou em ensinamentos
esotéricos.22
Mas
não se podem restringir os métodos da filosofia apenas à ênfase geral na
argumentação lógica e na crítica sistemática às teorias apresentadas. Nas
grandes tradições da história da filosofia, podem ser identificadas duas
orientações bem abrangentes, cujos objetivos e técnicas tendem a diferir
radicalmente: existem as escolas que privilegiam uma abordagem analítica dos
problemas filosóficos e aquelas que optam por uma abordagem predominantemente sintética ou sinóptica.1
A
orientação analítica é exemplificada nos trabalhos filosóficos que se dedicam à
decomposição de um conceito em suas partes constituintes e ao exame criterioso
das relações lógicas e conceptuais explicitadas pela análise. O exemplo
clássico é a análise do conceito de conhecimento. A reflexão sobre
a natureza do conhecimento levou os filósofos a decompor a noção de
conhecimento em três noções associadas: crença, verdadee justificação. Para que algo seja conhecimento é imprescindível que
seja antes uma crença – em outras palavras, o conhecimento é umaespécie diferenciada
do gênero mais
abrangente da crença. A pergunta óbvia que essa primeira constatação sugere é:
o que diferencia, então, o conhecimento das demais formas de crença? Nesse
ponto, o exame do conceito conduz a duas noções distintas. Em primeiro lugar, à
noção de verdade. Intuitivamente separamos as crenças falsas das verdadeiras. É
por isso que mantemos a crença de que Papai Noel existe num patamar diferente
da crença de que a Lua gira em torno da Terra – quem sustenta a primeira, tem
apenas uma crença; quem sustenta a última, provavelmente sabe algo sobre o
sistema solar, pois exprime uma crença verdadeira. Mas, para que seja promovida
à condição de conhecimento, a crença precisa de algo mais: ela precisa ser
apoiada por alguma espécie de justificação. Além de sustentar uma crença
verdadeira, o sujeito deve ser capaz de apresentar os meios ou as fontes,
consideradas universalmente legítimas, que lhe propiciaram chegar à crença em
questão. Feito esse exame, a conclusão é a célebre fórmula: o
conhecimento é crença verdadeira justificada.23 Nesse
e em muitos outros casos envolvendo noções filosoficamente relevantes, o
trabalho de análise é capaz de explicitar pressupostos importantes
implicitamente presentes no uso dos conceitos.
A
outra orientação – a sintética – percorre o caminho oposto ao da análise. Os
adeptos dessa orientação buscam elaborar uma síntese de várias noções
relevantes e apresentá-las como um todo harmônico.1 Às
vezes chamada de “filosofia especulativa”, essa orientação filosófica pretende
revelar princípios universais que possam reunir organicamente vários elementos
díspares, que aparentemente não guardam relações relevantes entre si.24 Um
caso paradigmático dessa orientação é a filosofia hegeliana, cujo fito é
integrar numa dinâmica panteísta a evolução das mais diversas formas de manifestação
da cultura humana
– artes, leis, governos, religiões, ciências e filosofias.
Desde
o surgimento da ciência moderna, vários filósofos buscaram separar a
investigação filosófica da investigação científica por meio de uma
caracterização dos métodos peculiares à filosofia. Como as ciências especiais
privilegiam a investigação empírica, especialmente por adoção de métodos
experimentais, defendeu-se que a adoção de métodos a priori (isto
é, de métodos que antecedem a investigação empírica ou são
delaindependentes) seria o traço definidor do trabalho filosófico. Nos
casos da argumentação lógica, da análise conceptual e da síntese compreensiva
não há necessidade de observação dos fenômenos para que se decida se uma
conclusão é ou não é logicamente correta, se um conceito está sendo ou não
corretamente empregado ou se uma visão sinóptica é ou não é incoerente. Isso
não implica um divórcio entre a ciência e a filosofia. Ao contrário, implica
que os filósofos estão aptos a analisar os conceitos e argumentos das ciências
especiais, e, nessedomínio, podem prestar um serviço relevante ao
aperfeiçoamento das teorias científicas.
Kant deduzindo coisas que não são passíveis de ser
experienciadas - Trabalho artístico de Friedrich Hagermann, 1801.
Além
das orientações metodológicas acima explicadas, há outras duas estratégias que
podem ser caracterizados como métodos a priori. Os experimentos
mentais e os argumentos transcendentais. Um experimento mental (às vezes também chamado de
"experiência de pensamento") é a elaboração de uma situação puramente
hipotética – geralmente impossível de ser construída na prática – por meio da
qual o filósofo testa os limites de determinados pressupostos ou conceitos. O
experimento mental mais famoso da história da filosofia é a hipótese do Gênio
Maligno concebida por Descartes: ao imaginar um deus onipotente que se dedica a
ludibriá-lo, Descartes leva o ceticismo ao
seu extremo a fim de identificar uma certeza inabalável capaz de superar até
mesmo a hipótese do Gênio Maligno. (Essa hipótese recebeu uma roupagem moderna
na elaboração de outro experimento mental – o cérebro numa
cuba).25
O
outro método – o dos argumentos transcendentais – foi concebido por Kant, e
consiste em tomar como dados os fatos da experiência, e deduzir coisas que não
são passíveis de ser experienciadas, mas que constituem a própria condição de
possibilidade daqueles fatos. Com essa espécie de argumento, Kant concluiu, por
exemplo, que a forma pura do espaço é uma das condições necessárias
pressupostas pela experiência dos objetos externos, pois sem ela tal
experiência seria impossível.26
Embora
o emprego da lógica formal, da análise conceptual e dos experimentos mentais
sejam constantes na filosofia contemporânea, predomina hoje, sobretudo na
tradição analítica, a orientação que se convencionou chamar de naturalismo
filosófico. Essa orientação tem suas origens
nos trabalhos do filósofo americano Willard
Van Orman Quine (1908-2000) que
criticam a distinção entre questões conceptuais e empíricas. Os adeptos do
naturalismo rejeitam a suposição de que a filosofia se diferencie das ciências
por um conjunto de métodos próprios: os problemas filosóficos e os científicos
pertencem a uma única e mesma esfera e, portanto, os métodos científicos,
historicamente bem-sucedidos, devem também ser aplicados à problemática
filosófica.
Disciplinas filosóficas
A
filosofia é geralmente dividida em áreas de investigação específica. Em cada
área, a pesquisa filosófica dedica-se à elucidação de problemas próprios,
embora sejam muito comuns as interconexões. As áreas tradicionais da filosofia são as
seguintes:
·
Metafísica: ocupa-se da elaboração de teorias sobre a realidade e
sobre natureza fundamental de todas as coisas. O objetivo da metafísica é
fornecer uma visão abrangente do mundo – uma visão sinóptica que reúna em si os
diversos aspectos da realidade. Uma das subáreas da metafísica é a ontologia (literalmente,
a ciência do "ser"), cujo tema principal é a elaboração de escalas de
realidade. Nesse sentido, a ontologia buscaria identificar as entidades básicas
ou elementares da realidade e mostrar como essas se relacionam com os demais
objetos ou indivíduos - de existência dependente ou derivada.27
·
Epistemologia ou teoria do conhecimento: é a área da
filosofia que estuda a natureza do conhecimento, sua origem e seus limites. Dessa forma, entre as
questões típicas da epistemologia estão: “O que diferencia o conhecimento de
outras formas de crença?”, “O que podemos conhecer?”, “Como chegamos a ter
conhecimento de algo?”.27
·
Lógica: é a área que trata das estruturas formais do raciocínio
perfeito – ou seja, daqueles raciocínios cuja conclusão preserva a verdade das
premissas. Na lógica são estudados, portanto, os métodos e princípios que
permitem distinguir os raciocínios corretos dos raciocínios incorretos.28
·
Ética ou filosofia moral: é a área da
filosofia que trata das distinções entre o certo e o errado, entre o bem e o
mal. Procura identificar os meios mais adequados para aprimorar a vida moral e
para alcançar uma vida moralmente boa. Também no campo da ética dão-se as
discussões a respeito dos princípios e das regras morais que norteiam a vida em
sociedade, e sobre quais seriam as justificativas racionais para adotar essas
regras e princípios.27
·
Filosofia
política: é o ramo da filosofia que
investiga os fundamentos da organização sociopolítica e do Estado. São
tradicionais nessa área, as hipóteses sobre o contrato original que teria dado início à vida em sociedade,
instituído o governo, os
deveres e os direitos dos cidadãos. Muitas dessas situações hipotéticas são elaboradas no
intuito de recomendar mudanças ou reformas políticas aptas a aproximar as
sociedades concretas de um determinado ideal político.27
·
Estética ou filosofia da arte: entre as
investigações dessa área, encontram-se aquelas sobre a natureza da arte e da
experiência estética, sobre como a experiência estética se diferencia de outras
formas de experiência, e sobre o próprio conceito de belo.27
Evolução histórica
Pensamento
mítico e pensamento filosófico
Como
em muitas outras sociedades antigas, as narrativas míticas desempenhavam uma função central na sociedade
grega. Além de estabelecer marcos importantes na vida social, os mitos gregos
promoviam uma concepção de mundo de natureza religiosa que propiciava respostas
às principais indagações existenciais que desde sempre inquietaram o espírito
humano. Os eventos históricos, os fenômenos naturais e os principais eventos da
vida humana (nascimento, casamento, doença e morte) eram entrelaçados às
histórias tradicionais sobre conflitos entre deuses,
intercâmbios entre deuses e homens e feitos memoráveis de semideuses.
Originalmente,
a palavra grega mythos significava simplesmente palavra ou
fala;29 mas
o termo remetia também à noção de uma palavra proferida com autoridade.30 As
histórias épicas de Homero,
permeadas de intervenções sobrenaturais, ou a teogonia de Hesíodo eram mythosno
sentido de serem anúncios revestidos de autoridade, dignos de crédito e
reverência. Gradualmente, o termo foi assumindo outro sentido e já à época de
Platão e Aristóteles o mythos era empregado para caracterizar
histórias fictícias ou absurdas que se afastariam do logos -
isto é, do discurso racional.31 Aristóteles,
por exemplo, considerava a filosofia como um empreendimento intelectual
completamente distinto das elaborações mitológicas. Na Metafísica,
ao tratar do problema da incorruptibilidade, Aristóteles menciona Hesíodo e,
logo em seguida, descarta peremptoriamente suas opiniões, pois, segundo ele,
“não precisamos perder tempo investigando seriamente as sutilezas dos criadores
de mitos.”32
Pode-se
dizer que a filosofia surge como uma espécie de rompimento com a visão mítica
do mundo. Enquanto os mitos se organizavam em narrações, imagens e seres
particulares, a filosofia inaugurava o discurso argumentativo, abstrato e
universal. Além disso, ao contrário dos autores de mitos, os filósofos gregos
tentaram com afinco elaborar concepções de mundo que fossem isentas de
contradições e imperfeições lógicas.
Desse
modo, não é sem razão que muitos autores enfatizam o caráter de ruptura e
divergências ao comparar o advento da filosofia com a tradição mítica da Grécia antiga. Mas, embora sejam inegáveis as diferenças, mais
recentemente vários estudiosos têm apontado os pontos de continuidade e
semelhança entre as primeiras elucubrações filosóficas dos gregos e as suas
concepções mitológicas.33 Para
esses autores, as peculiaridades da tradição mítica grega favoreceram o
surgimento da filosofia grega e os primeiros filósofos empenharam-se numa
espécie dessacralização e despersonalização das narrativas tradicionais sobre o
surgimento e organização do cosmos.
Filosofia antiga

A
filosofia antiga teve início no século VI a.C. e se estendeu até a decadência
do império romano no século V d.C. Pode-se dividi-la em quatro períodos: (1) o
período dos pré-socráticos; (2) um período humanista, em que Sócrates e
os sofistas trouxeram
as questões morais para o centro do debate filosófico; (3) o período áureo da
filosofia em Atenas, em
que despontaram Platão e Aristóteles; (4) e o período helenístico. Às vezes se distingue um quinto período, que compreende
os primeiros filósofos cristãos e os neoplatonistas.34 Os
dois autores mais importantes da filosofia antiga em termos de influência
posterior foram Platão e Aristóteles.
Os
primeiros filósofos gregos, geralmente chamados de pré-socráticos, dedicaram-se
a especulações sobre a constituição e a origem do mundo. O principal intuito
desses filósofos era descobrir um elemento primordial, eterno e imutável que
fosse a matéria básica de todas as coisas. Essa substância imutável era chamada
de physis (palavra
grega cuja tradução literal seria natureza, mas que na concepção dos primeiros
filósofos compreendia a totalidade dos seres, inclusive entidades divinas),35 e,
por essa razão, os primeiros filósofos também foram conhecidos como os physiologoi (literalmente
“fisiólogos”, isto é, os filósofos que se dedicavam ao estudo da physis).36 A
questão da essência material imutável foi a primeira feição assumida por uma
inquietação que percorreu praticamente toda a filosofia grega. Essa inquietação
pode ser traduzida na seguinte pergunta: existe uma realidade imutável por trás
das mudanças caóticas dos fenômenos naturais? Já os próprios pré-socráticos
propuseram respostas extremas a essa pergunta. Parmênides de Eleia defendeu que a perene mutação das coisas não passa
de uma ilusão dos sentidos, pois a razão revelaria que o Ser é único, imutável
e eterno.37 Heráclito de Éfeso, por
outro lado, defendeu uma posição diametralmente oposta: a própria essência das
coisas é mudança, e seriam vãos os esforços para buscar uma realidade imutável.38
Tais
especulações, que combinavam a oposição entre realidade e aparência com a busca
de uma matéria primordial, culminaram na filosofiaatomista de Leucipo e Demócrito. Para esses filósofos a substância de todas as coisas
seriam partículas minúsculas e invisíveis – os átomos – em perene movimentação
no vácuo. E os fenômenos que testemunhamos cotidianamente são resultado da
combinação, separação e recombinação desses átomos.
A
teoria de Demócrito representou o ápice da filosofia da physis, mas
também o seu esgotamento. As transformações sociopolíticas, especialmente em
Atenas, já impunham novas demandas aos sábios da época. A democracia
ateniense solicitava novas habilidades
intelectuais, sobretudo a capacidade de persuadir. É nesse momento que se
destacam os filósofos que se dedicam justamente a ensinar aretórica e
as técnicas de persuasão – os sofistas. O ofício dessa nova espécie de
filósofos trazia como pressuposto a ideia de que não há verdades absolutas. O
importante seria dominar as técnicas da boa argumentação, pois, dominando essas
técnicas, o indivíduo poderia defender qualquer opinião, sem se preocupar com a
questão de sua veracidade. De fato, para os sofistas, a busca da verdade era
uma pretensão inútil. A verdade seria apenas uma questão de aceitação coletiva
de uma crença, e, a princípio, não haveria nada que impedisse que o que hoje é
tomado como verdade, amanhã fosse considerado uma tolice.39
O
contraponto a esse relativismo dos sofistas foi Sócrates. Embora partilhasse com
os sofistas certa indiferença em relação aos valores tradicionais, Sócrates
dedicou-se à busca de valores perenes. Sócrates não deixou nenhum registro
escrito de suas ideias. Tudo o que sabemos dele chegou-nos através do
testemunho de seus discípulos e contemporâneos. Segundo dizem, Sócrates teria
defendido que a virtude é conhecimento e as faltas morais provêm da ignorância.40 O
indivíduo que adquirisse o conhecimento perfeito seria inevitavelmente bom e
feliz. Por outro lado, essa busca simultânea do conhecimento e da bondade deve
começar pelo exame profundo de si mesmo e das crenças e valores aceitos
acriticamente. Segundo contam, Sócrates foi um inquiridor implacável e fez fama
por sua habilidade de levar à exasperação os seus antagonistas. Ao concidadão
que se dizia justo, Sócrates perguntava “O que é a justiça?”, e depois se
dedicava a demolir todas as tentativas de responder à pergunta.
A Morte de Sócrates, Jacques-Louis
David, 1787.
A
atitude de Sócrates acabou por lhe custar a vida. Seus adversários conseguiram
levá-lo a julgamento por impiedade e corrupção de jovens. Sócrates foi
condenado à morte – mais especificamente, a envenenar-se com cicuta.
Segundo o relato de Platão, o seu mais famoso discípulo, Sócrates cumpriu a
sentença com absoluta serenidade e destemor.
Coube
a Platão levar adiante os ensinamentos do mestre e superá-los. Platão realiza a
primeira grande síntese da filosofia grega. Em seus diálogos, combinam-se as antigas questões dos pré-socráticos com
as urgentes questões morais e políticas, o discurso racional com a intuição
mística, a elucubração lógica com a obra poética, os mitos com a ciência.
Segundo
Platão, os nossos sentidos só nos permitem perceber uma natureza caótica, em
que as mudanças e a diversidade aparentam não obedecer a nenhum princípio
regulador; mas a razão, ao contrário, é capaz de ir além dessas aparências e
captar as formas imutáveis que são as causas e modelos de tudo o que existe. A geometria fornece
um bom exemplo. Ao demonstrar seus teoremas os geômetras empregam figuras
imperfeitas. Por mais acurado que seja o compasso, os desenhos decírculos sempre
conterão irregularidades e imperfeições. As figuras sensíveis do círculo estão
sempre aquém de seu modelo – e esse modelo é a própria ideia de círculo,
concebível apenas pela razão. O mesmo ocorre com os demais seres: os cavalos
que vemos são todos diferentes entre si, mas há um princípio unificador – a
ideia de cavalo – que nos faz chamar a todos de cavalos. Com os valores, não
seria diferente. As diferentes opiniões sobre questões morais e estéticas
devem-se a uma visão empobrecida das coisas. Os que empreenderem uma busca
sincera alcançarão a concepção do Belo em si mesmo e do Bem em si mesmo.
Ao
contrário do que o termo “ideias” possa sugerir, Platão não as considera como
meras construções psicológicas; ao contrário, ele lhes atribui realidade
objetiva. As ideias constituem um mundo suprassensível – ou seja, uma dimensão
que não podemos ver e tocar, mas que podemos captar como os “olhos” da razão.
Essa é a famosa teoria das ideias de Platão. Ele a ilustra numa alegoria
igualmente célebre – a alegoria
da caverna.
Platão
nos convida a imaginar uma caverna em que se acham vários prisioneiros. Eles
estão amarrados de tal maneira que só podem ver a parede do fundo da caverna.
Às costas dos prisioneiros há um muro da altura de um homem. Por trás desse
muro, transitam várias pessoas carregando estátuas de diversas formas – todas
elas são réplicas de coisas que vemos cotidianamente (árvores, pássaros, casas
etc.). Há também uma grande fogueira, atrás desse muro e dos carregadores. A
luz da fogueira faz com que as sombras das estátuas sejam projetadas sobre o
fundo da parede. Os barulhos e falas dos carregadores reverberam no fundo da
caverna, dando aos prisioneiros a impressão de que são oriundos das sombras que
eles veem. Nessa situação imaginária, os prisioneiros pensariam que as sombras
e os ecos constituem tudo o que existe. Como nunca puderam ver nada além das
sombras projetadas na parede da caverna, acreditam que apenas as sombras são
reais.
Após
apresentar esse cenário, Platão sugere que, se um desses prisioneiros
conseguisse se libertar, veria, com surpresa, que as estátuas que sempre
estiveram atrás dos prisioneiros são mais reais do que aquelas sombras. Ao sair
da caverna, a luz o ofuscaria; mas, após se acostumar com a claridade, veria
que as coisas da superfície são ainda mais reais do que as estátuas. Esse
prisioneiro que se liberta é o filósofo, e a sua jornada em direção à
superfície representa a o percurso da razão em sua lenta ascensão ao
conhecimento perfeito.
A Escola de Atenas, de Rafael, representa os mais importantes filósofos, matemáticos e
cientistas da Antiguidade.
Aristóteles,
discípulo de Platão e preceptor de Alexandre,
o Grande, rejeitou a teoria das ideias. Para
ele, a hipótese de uma realidade separada e independente, constituída apenas
por entidades inteligíveis, era uma duplicação do mundo absolutamente
desnecessária.41 Na
visão de Aristóteles, a essência de uma coisa não consiste numa ideia
suplementar e separada, mas numa forma que lhe é imanente. Essa forma imanente
é o que dá organização e estrutura à matéria, e propicia, no caso dos
organismos vivos, o seu desenvolvimento conforme a sua essência. Aristóteles
também divergiu de Platão sobre o valor da experiência na aquisição do
conhecimento. Enquanto na filosofia platônica, há uma perene desconfiança em
relação ao saber derivado dos sentidos, na filosofia aristotélica o
conhecimento adquirido pela visão, audição, tato etc. é considerado como o
ponto de partida do empreendimento científico.
Aristóteles
foi um pesquisador infatigável, e seus interesses abarcavam praticamente todas
as áreas do conhecimento. Foi o fundador dabiologia; e o
criador da lógica como disciplina. Fez contribuições originais e duradouras em
metafísica e teologia, ética e política, psicologia e estética. Além de ter
contribuído nas mais diversas disciplinas, Aristóteles realizou a primeira
grande sistematização das ciências, organizando-as conforme seus métodos e
abrangência. Em cada uma das disciplinas que criou, ou ajudou a criar,
Aristóteles cunhou uma terminologia que até hoje está presente no vocabulário
científico e filosófico: como exemplos, podem-se mencionar as palavras
substância, categoria, energia, princípio e forma.42
Na
transição do século IV para o século III a.C., durante o período helenístico, formam-se duas escolas
filosóficas cujos ensinamentos representam uma clara mudança de ênfase em
relação à Academia
de Platão e à escola
peripatética de Aristóteles. Sua
preocupação é principalmente a redenção pessoal. Tanto para Epicuro (ca.341-270
a.C.) e seus seguidores como para Zenão de Cítio e demais estoicos o principal objetivo da filosofia
deveria ser a obtenção da serenidade de espírito. As duas escolas também se
assemelham na crença de que esse objetivo passa por uma espécie de harmonização
entre o indivíduo e a natureza, mas divergem quanto à forma de se realizar essa
harmonização. Para Epicuro, a sintonia com a natureza supõe a aceitação das
necessidades e desejos naturais e dos prazeres sensoriais. Dessa forma, ele
preconiza a fruição moderada dos prazeres e a comedida gratificação dos
desejos.43 Os
estoicos, por outro lado, sustentavam a crença de que o cosmos e os seres
humanos partilhavam do mesmo logos divino. O ideal filosófico
de vida seria, na concepção dos estoicos, a adesão à necessidade racional da
natureza e o desenvolvimento de uma absoluta imperturbabilidade (ataraxia) em
relação aos fatos e eventos do mundo.44
A
Antiguidade tardia viu ainda o florescimento de uma nova interpretação do
platonismo, de acentuada tendência mística – o chamado Neoplatonismo. Seu
principal representante, Plotino (205-270), defendeu que o princípio fundamental e
divino do universo seria o Uno e que desse princípio fundamental emanavam novas realidades, de diferentes graus de perfeição.
O universo material e sensível – o "mundo das sombras" da alegoria
platônica – seria uma emanação distante do Uno, e, por isso, apresentaria os
traços de imperfeição e inconstância que o caracterizam.45
Filosofia
medieval

São Tomás de Aquino
A
filosofia medieval é a filosofia da Europa ocidental e do Oriente Médio durante a Idade Média. Começa, aproximadamente, com a cristianização do Império Romano e encerra-se com a Renascença. A filosofia medieval pode ser considerada, em parte,
como prolongamento da filosofia
greco-romana46 e,
em parte, como uma tentativa de conciliar o conhecimento secular e a doutrina
sagrada.47
A
Idade Média carregou por muito tempo o epíteto depreciativo de "idade das
trevas", atribuído pelos humanistasrenascentistas; e a filosofia desenvolvida nessa época padeceu do mesmo
desprezo. No entanto, essa era de aproximadamente mil anos foi o mais longo
período de desenvolvimento filosófico na Europa e um dos mais ricos. Jorge
Gracia defende que “em intensidade, sofisticação e aquisições, pode-se
corretamente dizer que o florescimento filosófico no século XIII rivaliza com a
época áurea da filosofia grega no século IV a. C.”48 .
Entre
os principais problemas discutidos nessa época estão a relação entre fé e
razão, a existência e unidade de Deus, o objeto da teologia e da metafísica, os
problemas do conhecimento, dos universais e da individualização.
Entre
os filósofos medievais do ocidente, merecem destaque Agostinho
de Hipona, Boécio, Anselmo de
Cantuária, Pedro Abelardo, Roger Bacon, Boaventura
de Bagnoregio, Tomás de Aquino, João Duns Escoto,Guilherme
de Ockham e Jean Buridan; na civilização islâmica, Avicena, Avempace, Alfarábi, Ghazali e Averrois;
entre os judeus, Moisés
Maimônides.
Tomás
de Aquino (1225-1274), fundador do tomismo, exerceu influência inigualável na filosofia e na
teologia medievais. Em sua obra, ele deu grande importância à razão e à argumentação,
e procurou elaborar uma síntese entre a doutrina cristã e a filosofia
aristotélica. A filosofia de Tomás de Aquino representou uma reorientação
significativa do pensamento filosófico medieval, até então muito influenciado
pelo neoplatonismo e sua reinterpretação agostiniana.
Filosofia do Renascimento

O Homem vitruviano, deLeonardo Da
Vinci, resume vários dos ideais do pensamento renascentista.
A
transição da Idade Média para a Idade Moderna foi marcada pelo Renascimento e pelo Humanismo.49 Nesse
período de transição, a redescoberta de textos da Antiguidade50 contribuiu
para que o interesse filosófico saísse dos estudos técnicos de lógica, metafísica e teologia e
se voltasse para estudos ecléticos nas áreas da filologia, damoralidade e
do misticismo. Os
estudos dos clássicos e das letras receberam uma ênfase inédita e
desenvolveram-se de modo independente da escolástica tradicional. A produção e disseminação do
conhecimento e das artes deixam de ser uma exclusividade das universidades e
dos acadêmicos profissionais, e isso contribui para que a filosofia vá aos
poucos se desvencilhando da teologia. Em lugar de Deus e da religião, o
conceito de homem assume o centro das ocupações artísticas, literárias e
filosóficas.51
O
renascimento revigorou a concepção da natureza como um todo orgânico, sujeito à
compreensão e influência humanas. De uma forma ou de outra, essa concepção está
presente nos trabalhos de Nicolau de Cusa, Giordano Bruno, Bernardino
Telesio e Galileu Galilei. Essa reinterpretação da natureza é acompanhada, em
muitos casos, de um intenso interesse por magia, hermetismo e astrologia –
considerados então como instrumentos de compreensão e manipulação da natureza.
À
medida que a autoridade eclesial cedia lugar à autoridade secular e que o foco
dos interesses voltava-se para a política em detrimento da religião, as
rivalidades entre os Estados nacionais e as crises internas demandavam não
apenas soluções práticas emergenciais, mas também uma profunda reflexão sobre
questões pertinentes à filosofia
política. Desse modo, a filosofia política,
que por vários séculos esteve dormente, recebeu um novo impulso durante o
Renascimento. Nessa área, destacam-se as obras de Nicolau Maquiavel e Jean Bodin.52
Filosofia moderna

René Descartes, fundador da filosofia moderna e do racionalismo.
A
filosofia moderna é caracterizada pela preponderância da epistemologia sobre a metafísica. A justificativa dos filósofos modernos para essa
alteração estava, em parte, na ideia de que, antes de querer conhecer tudo o
que existe, seria conveniente conhecer o que se pode conhecer.53
Geralmente
considerado como o fundador da filosofia moderna,54 o
cientista, matemático e filósofo francês René Descartes (1596-1650) redirecionou o foco da discussão
filosófica para o sujeito pensante. O projeto de Descartes era o de assentar o
edifício do conhecimento sobre bases seguras e confiáveis. Para tanto,
acreditava ele ser necessário um procedimento prévio de avaliação crítica e
severa de todas as fontes do conhecimento disponível, num procedimento que
ficou conhecido como dúvida
metódica. Segundo Descartes, ao adotar essa
orientação, constatamos que resta como certeza inabalável a ideia de um eu
pensante: mesmo que o sujeito ponha tudo em dúvida, se ele duvida, é porque
pensa; e, se pensa, é porque existe. Essa linha de raciocínio foi celebrizada pela
fórmula “penso, logo existo” (cogito ergo sum).55 56 A
partir dessa certeza fundamental, Descartes defendia ser possível deduzir
rigorosamente, ao modo de um geômetra, outras verdades fundamentais acerca do
sujeito, da natureza do conhecimento e da realidade.
No
projeto cartesiano estão presentes três pressupostos básicos: (1) a matemática, ou o método dedutivo adotado pela matemática, é o modelo a ser seguido
pelos filósofos; (2) existem ideias inatas, absolutamente verdadeiras, que de
alguma forma estão desde sempre inscritas no espírito humano; (3) a descoberta
dessas ideias inatas não depende da experiência – elas são alcançadas
exclusivamente pela razão. Esses três pressupostos também estão presentes nas
filosofias de Gottfried
Wilhelm Leibniz (1646-1716) e Baruch Spinoza (1632-1677), e constituem a base do movimento
filosófico denominado racionalismo.57
Se os
racionalistas priorizavam o modelo matemático, a filosofia antagônica – o empirismo –
enfatizava os métodos indutivos das ciências experimentais. O filósofo John Locke (1632-1704) propôs a aplicação desses métodos na
investigação da própria mente humana. Em patente confronto com os
racionalistas, Locke argumentou que a mente chega ao mundo completamente vazia
de conteúdo – é uma espécie de lousa em branco ou tabula rasa; e todas as ideias com que ela trabalha são
necessariamente originárias da experiência.58 Esse
pressuposto também é adotado pelos outros dois grandes filósofos do empirismo
britânico, George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776).
As
ideias do empirismo inglês também se difundiram na França; e o entusiasmo com
as novas ciências levou os intelectuais franceses a defender uma ampla reforma
cultural, que remodelasse não só a forma de se produzir conhecimento, mas
também as formas de organização social e política. Esse movimento amplo e
contestatório ficou conhecido como Iluminismo. Os
filósofos iluministas rejeitavam qualquer forma de crença que se baseasse
apenas na tradição e na autoridade, em especial as divulgadas pela Igreja Católica. Um dos marcos do Iluminismo francês foi a publicação da Encyclopédie. Elaborada sob a direção de Jean le
Rond d’Alembert e Denis Diderot, essa obra enciclopédica inovadora incorporou vários dos
valores defendidos pelos iluministas e contou com a colaboração de vários de
seus nomes mais destacados, como Voltaire, Montesquieu e Rousseau.
Em
1781, Immanuel Kant publicou a sua famosa Crítica da
Razão Pura, em que propõe uma
espécie de síntese entre as teses racionalistas e empiristas. Segundo Kant,
apesar de o nosso conhecimento depender de nossas percepções sensoriais, essas
não constituem todo o nosso conhecimento, pois existem
determinadas estruturas do sujeito que as antecedem e tornam possível a própria
formação da experiência. O espaço, por exemplo, não é uma realidade que
passivamente assimilamos a partir de nossas impressões sensoriais. Ao
contrário, somos nós que impomos uma organização espacial aos objetos. Do mesmo
modo, o sujeito não aprende, após inúmeras experiências, que todas as
ocorrências pressupõem uma causa; antes, é a estrutura peculiar do sujeito que
impõe aos fenômenos uma organização de causa e efeito. Uma das consequências da
filosofia kantiana é estabelecer que as coisas em si mesmas não
podem ser conhecidas. A fronteira de nosso conhecimento é delineada pelos fenômenos, isto
é, pelos resultados da interação da realidade objetiva com os esquemas
cognitivos do sujeito.
Filosofia do século XIX

Geralmente
se considera que depois da filosofia de Kant tem início uma nova etapa da
filosofia, que se caracterizaria por ser uma continuação e, simultaneamente,
uma reação à filosofia kantiana. Nesse período desenvolve-se o idealismo alemão (Fichte, Schelling e Hegel), que leva as ideias kantianas às últimas consequências.
A noção de que há um universo inteiro (a realidade em si mesma) inalcançável ao
conhecimento humano, levou os idealistas alemães a assimilar a realidade
objetiva ao próprio sujeito no intuito de resolver o problema da separação
fundamental entre sujeito e objeto. Assim, por exemplo, Hegel postulou que o
universo é espírito. O conjunto dos seres humanos, sua história, sua arte, sua
ciência e sua religião são apenas manifestações desse espírito absoluto em sua
marcha dinâmica rumo ao autoconhecimento.59Enquanto
na Alemanha, o
idealismo apoderava-se do debate filosófico, na França, Auguste Comte retomava uma orientação mais próxima das ciências e
inaugurava o positivismo e a sociologia. Na
visão de Comte, a humanidade progride por três
estágios: o estágio teológico, o estágio
metafísico e, por fim, o estágio positivo. No primeiro estágio, as explicações
são dadas em termos mitológicos ou religiosos; no segundo, as explicações
tornam-se abstratas, mas ainda carecem de cientificidade; no terceiro estágio,
a compreensão da realidade se dá em termos de leis empíricas de “sucessão e
semelhança” entre os fenômenos.60 Para
Comte, a plena realização desse terceiro estágio histórico, em que o pensamento
científico suplantaria todos os demais, representaria a aquisição da felicidade
e da perfeição.61
Também
no campo do desenvolvimento histórico, Marx e Engels davam
uma nova formulação ao socialismo. Eles fazem uma releitura materialista da dialética de Hegel no intuito de analisar e condenar o sistema capitalista. Desenvolvem a teoria da mais-valia,
segundo a qual o lucro dos capitalistas dependeria inevitavelmente da
exploração do proletariado. Sustentam que o estado, as formas político-institucionais
e as concepções ideológicas formavam uma superestrutura construída sobre a base das relações de produção62 e
que as contradições resultantes entre essa base econômica e a superestrutura
levariam as sociedades inevitavelmente à revolução e ao socialismo.
No campo
da ética, os filósofos ingleses Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) elaboram os princípios fundamentais doutilitarismo.63 Para
eles, o valor ético não é algo intrínseco à ação realizada; esse valor deve ser
mensurado conforme as consequências da ação, pois a ação eticamente
recomendável é aquela que maximiza o bem-estar na coletividade.
Talvez
a teoria que maior impacto filosófico provocou no século XIX não tenha sido
elaborada por um filósofo. Ao propor sua teoria da evolução das espécies por seleção natural, Charles Darwin (1809-1882) estabeleceu as bases de uma concepção
de mundo profundamente revolucionária. O filósofo que melhor percebeu as sérias
implicações da teoria de Darwin para todos os campos de estudo foi Herbert Spencer(1820-1903). Em várias publicações, Spencer elaborou uma
filosofia evolucionista que aplicava os princípios da teoria da evolução aos
mais variados assuntos, especialmente à psicologia, ética e sociologia.
Também
no século XIX surgem filósofos que colocam em questão a primazia da razão e
ressaltam os elementos voluntaristas e emotivos do ser humano e de suas
concepções de mundo e sociedade. Entre esses destacam-se Arthur
Schopenhauer (1788-1860), Søren Kierkgaard (1813-1855)
e Friedrich
Nietzsche (1844-1900). Tomando como
ponto de partida a filosofia kantiana, Schopenhauer defende que o mundo dos
fenômenos – o mundo que representamos em ideias e que julgamos compreender –
não passa de uma ilusão e que a força motriz por trás de todos os nossos atos e
ideias é uma vontade cega, indomável e irracional. Kierkgaard condena todas as
grandes elaborações sistemáticas, universalizantes e abstratas da filosofia.
Considerado um precursor do existencialismo, Kierkgaard enfatiza que as
questões prementes da vida humana só podem ser superadas por uma atitude
religiosa; essa atitude, no entanto, demanda uma escolha individual e passional
contra todas as evidências, até mesmo contra a razão.64 Nietzsche,
por sua vez, anuncia que “Deus está morto”; e declara, portanto, a falência de todas as concepções
éticas, políticas e culturais que se assentam na doutrina cristã. Em
substituição aos antigos valores, Nietzsche prescreve um projeto de vida
voluntarista aos mais nobres, mais capazes, mais criativos - em suma, àqueles
em que fosse mais forte a vontade de
potência.65
Filosofia do século XX

José
Ortega y Gasset, 1883-1955
No
século XX, a filosofia tornou-se uma disciplina profissionalizada das
universidades, semelhante às demais disciplinas acadêmicas. Desse modo,
tornou-se também menos geral e mais especializada. Na opinião de um proeminente
filósofo: “A filosofia tem se tornado uma disciplina altamente organizada,
feita por especialistas para especialistas. O número de filósofos cresceu
exponencialmente, expandiu-se o volume de publicações e multiplicaram-se as
subáreas de rigorosa investigação filosófica. Hoje, não só o campo mais amplo da
filosofia é demasiadamente vasto para uma única mente, mas algo similar também
é verdadeiro em muitas de suas subáreas altamente especializadas.”66
Ludwig
Wittgenstein, o mais importante filósofo
analítico do século passado.
Nos
países de língua inglesa, a filosofia
analítica tornou-se a escola dominante.
Na primeira metade do século, foi uma escola coesa, fortemente modelada pelopositivismo
lógico, unificada pela noção de que os problemas filosóficos
podem e devem ser resolvidos por análise lógica. Os filósofos britânicos Bertrand Russell eGeorge
Edward Moore são geralmente considerados os
fundadores desse movimento. Ambos romperam com a tradição idealista que
predominava na Inglaterra em fins do século XIX e buscaram um método filosófico
que se afastasse das tendências espiritualistas e totalizantes do idealismo.
Moore dedicou-se a analisar crenças do senso comum e a justificá-las diante das críticas da filosofia
acadêmica. Russell, por sua vez, buscou reaproximar a filosofia da tradição
empirista britânica e sintonizá-la com as descobertas e avanços científicos. Ao
elaborar sua teoria das
descrições definidas, Russell mostrou como
resolver um problema filosófico empregando os recursos da nova lógica
matemática. A partir desse novo modelo
proposto por Russell, vários filósofos se convenceram de que a maioria dos
problemas da filosofia tradicional, se não todos, não seriam nada mais que
confusões propiciadas pelas ambiguidades e imprecisões da linguagem natural.
Quando tratados numa linguagem científica rigorosa, esses problemas
revelar-se-iam como simples confusões e mal-entendidos.
Uma
postura ligeiramente diferente foi adotada por Ludwig
Wittgenstein, discípulo de Russell. Segundo
Wittgenstein, os recursos da lógica matemática serviriam para revelar as formas
lógicas que se escondem por trás da linguagem comum. Para Wittgenstein, a
lógica é a própria condição de sentido de qualquer sistema linguístico.67 Essa
ideia está associada à sua teoria pictórica do significado, segundo a qual a
linguagem é capaz de representar o mundo por ser uma figuração lógica dos
estados de coisas que compõem a realidade.
Sob a
inspiração dos trabalhos de Russell e de Wittgenstein, o Círculo de Viena passou a defender uma forma de empirismo que
assimilasse os avanços realizados nas ciências formais, especialmente na
lógica. Essa versão atualizada do empirismo tornou-se universalmente conhecida
como neopositivismo ou positivismo lógico. O Círculo de Viena consistia numa
reunião de intelectuais oriundos de diversas áreas (filosofia, física,
matemática, sociologia, etc.) que tinham em comum uma profunda desconfiança em
relação a temas de teor metafísico. Para esses filósofos e cientistas, caberia
à filosofia elaborar ferramentas teóricas aptas a esclarecer os conceitos
fundamentais das ciências e revelar os pontos de contatos entre os diversos
ramos do conhecimento científico. Nessa tarefa, seria importante mostrar, entre
outras coisas, como enunciados altamente abstratos das ciências poderiam ser
rigorosamente reduzidos a frases sobre a nossa experiência imediata.68
Fora
dos países de língua inglesa, floresceram diferentes movimentos filosóficos.
Entre esses destacam-se a fenomenologia, a hermenêutica, oexistencialismo e versões modernas do marxismo. Para
Husserl, o traço fundamental dos fenômenos mentais é a intencionalidade. A estrutura da intencionalidade é constituída por dois
elementos: noesis e noema.
O primeiro elemento é o ato intencional; e o segundo é o objeto do ato
intencional. A ciência da fenomenologia trata do significado ou da essência dos
objetos da consciência. A fim de revelar a estrutura da consciência, o
fenomenólogo deve pôr entre parêntesis a realidade empírica. Segundo Husserl,
os procedimentos fenomenológicos desvelam o ego transcendental – que é a
própria base e fonte de unidade do eu empírico.69 Coube a um dos alunos de Husserl, o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), construir uma filosofia que mesclasse
a fenomenologia, a hermenêutica e o existencialismo. O ponto de partida de
Heidegger foi a questão clássica da metafísica: "o que é o ser?".
Mas, na abordagem de Heidegger, a resposta a essa questão passa por uma análise
dos modos de ser do ser humano – que foi por ele denominado Dasein (Ser-aí).
O Dasein é o único ser que pode se admirar com a sua própria
existência e indagar o sentido de seu próprio ser. O modo de existir do Dasein está
intimamente conectado com a história e a temporalidade e, em vista disso,
questões sobre autenticidade, cuidado, angústia, finitude e morte tornam-se temas centrais na filosofia de Heidegger.69
Movimentos filosóficos da atualidade
Filosofia clínica
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